Foto e Jóia Van Cleef & Arpels
Em fins da década de 1920, os joalheiros parisienses começaram a mudar seus conceitos a respeito do design na joalheria. Esta mudança começou a partir da Exposição de Artes Decorativas e Industriais acontecida na Paris de 1925. O estilo Arte Decó que emergiu das transformações sociais, industriais e comerciais ocorridas nas duas primeiras décadas do século XX era um estilo de design angular e arquitetural, que podia ser retilíneo ou curvilíneo, sempre utilizando formas geométricas como linhas retas, círculos, quadrados, retângulos e triângulos.
Uma técnica essencial para o design de uma jóia tornou-se um ícone do período e permanece popular até nossos dias: a chamada cravação invisível. Esta técnica de cravar gemas se originou do desejo dos joalheiros de que as gemas tivessem o máximo de visibilidade nas jóias, sem a interferência do metal precioso. Três joalheiros conseguiram alcançar a perfeição neste tipo de cravação, mas só Van Cleef & Arpels tornou-se sinônimo da mesma.
Em 1929, o joalheiro parisiense Jacques-Albert Algier desenvolveu e patenteou um método de segurar a gema na jóia sem garras de metal precioso ou qualquer outro tipo de recurso que mostrasse o metal em meio às gemas. Algier conseguiu isso esculpindo sulcos em lados opostos de cada gema e usando diminutos trilhos feitos no metal precioso para a colocação da gema na jóia. Assim, cada gema era cravada lado a lado com outra, efetivamente mascarando o metal, conseguindo um efeito visual delicado parecido com uma fita.
Próximo ao método criado por Algier estava a Maison Cartier em 1933. Mas em vez de incorporar a nova técnica de cravação ao design da Maison, a Cartier, provavelmente por já estar fazendo enorme sucesso com suas jóias multicoloridas chamadas de “tutti-frutti” ou as de estilo Art Decó, seus famosos “relógios misteriosos” e com sua linha de objetos de arte com inspiração no antigo Egito, não deu grande importância a nova técnica.
Mas ao contrário da Cartier, sua concorrente e competidora na parisiense Place Vendôme Van Cleef & Arpels, não relutou em abraçar a nova técnica e usar todos os recursos disponíveis para chegar à perfeição da mesma.
Foram os irmãos Charles e Julien Arpels os fundadores da Maison em 1906, junto com seu primo e cunhado Alfred Van Cleef. O outro irmão Arpels, Louis, juntou-se aos demais seis anos depois. Julien era especialista em gemas, Alfred um excelente lapidário e Louis e Charles eram competentes comerciantes que usavam grandes doses de charme para seduzir clientes da alta-sociedade européia. Esta combinação de talentos foi a chave para o sucesso da Maison que, no entanto, não chegou tão rápido.
Em meados da década de 1920, a Van Cleef & Arpels (VCA) ainda estava tentando se estabelecer com estrela no mercado da joalheria de luxo parisiense. O reconhecimento, e com ele o sucesso e as encomendas de clientes da alta-sociedade européia e norte-americana veio com a exposição de 1925, onde a Maison arrematou o “Grand Prix” com um bracelete cujo design era um ramalhete de rosas feitas de rubis e diamantes, com a folhagem em esmeraldas. Em dezembro de 1933, nove meses depois da Cartier, a Maison registrou sua técnica de cravação invisível, que recebeu o nome de “serti mysterieux”, ou cravação misteriosa.
Uma das dificuldades da técnica patenteada pela VCA era a necessidade imperiosa de escavar sulcos precisamente iguais nos lados opostos de cada gema. Para conseguir, usavam lâminas serrilhadas feitas de seda endurecida, recobertas com pó de diamantes. Muitas gemas foram quebradas durante o processo da escavação dos sulcos. Claramente, isso aumentava as despesas, e conseqüentemente o valor final da jóia, já que cada gema quebrada, como um rubi da Birmânia (atual Mianmar), por exemplo, tinha que ser reposta por outra exatamente igual. Em algumas das peças mais importantes da Maison foram utilizadas centenas de gemas, e meses de trabalho manual extenuante. As primeiras jóias com a técnica da cravação invisível usaram o que foi chamado de “trilhos em T”: a gema, com os sulcos esculpidos, era pressionada para encaixar nos trilhos feitos no metal precioso. Outra maneira, também bastante trabalhosa, era colocar as gemas em uma espécie de grade de ouro e então as colocar uma a uma no lugar por meio de fios lisos e chatos de ouro que eram passados pelos sulcos nas mesmas. É claro que cada gema tinha não somente que ter seus sulcos escavados nos lugares necessários, mas também ser facetada perfeitamente de forma a ocupar sua posição ao lado de outra gema, concorrendo para a beleza do design escolhido. Era imperativo que o lapidário trabalhasse lado a lado com o ourives.
As jóias com a técnica “serti mysterieux” foram um imenso sucesso, e por duas décadas a Van Cleef & Arpels produziu e vendeu um grande número de jóias decoradas com gemas em cravação invisível. No entanto, com as mudanças de estilo da década de 50 do século passado, a cravação invisível perdeu muito do seu apelo, retornando somente em meados dos anos 80.
Desde então, a cravação invisível tem sido uma grande responsável pela composição de maravilhosos designs na joalheria, graças a novas técnicas de fabricação de jóias que utilizam materiais como titânio e cerâmica, além de ferramentas a laser. A maioria das jóias nas quais foi e é utilizada a técnica da cravação invisível contém, por exemplo, diamantes cujo tamanho varia de 1,4 mm a 3,5 mm, o que significa aproximadamente gemas entre 0,01 e 0,16 quilates. No mercado joalheiro mundial, diamantes entre 1,4 mm e 1,8 mm são considerados gemas pequenas, os que variam entre 1,9 mm e 2,5 mm são diamantes médios e, entre 2,7 mm e 3,5 mm, diamantes grandes.
Em fevereiro de 2006, a Van Cleef & Arpels lançou no Mercado, junto com a Montblanc, a caneta mais cara e luxuosa do mundo, chamada apropriadamente de “Mystery Marterpiece”, como parte das comemorações pelo centenário de ambas as marcas.
Cada caneta tem seu corpo em ouro branco, adornado por safiras, esmeraldas ou rubis (foram feitos somente três exemplares com cada gema), e com 840 diamantes acentuando o luxo da peça. Todas as gemas foram cravadas com uma nova variação do método da cravação misteriosa. Esta variação esconde completamente o metal precioso usado para segurar a gema na peça, e o resultado é a ilusão de que as gemas “flutuam” na superfície da caneta. A tampa possui a estrela, marca registrada da Montblanc, cravejada de diamantes redondos enquanto que uma borboleta em ouro branco com diamantes repousa sobre o clip. Somente nove exemplares foram produzidos. Lançada através de uma espetacular campanha de marketing, cada caneta foi colocada à venda por 730.000 dólares, nas principais lojas Van Cleef & Arpels e Montblanc.